A Esclerose Sistémica (ES) é uma doença sistémica inflamatória crónica, que se carateriza por inflamação e fibrose dos tecidos e alterações dos vasos sanguíneos, afetando vários órgãos, sobretudo a pele, tubo digestivo, pulmões, rins e coração.

É uma doença muito rara, atingindo mais frequentemente o sexo feminino. Pode ocorrer em qualquer idade, mas é mais comum entre os 25 e os 55 anos.

A sua causa é desconhecida. Pensa-se que fatores genéticos influenciam a suscetibilidade e expressão da doença. Por outro lado, a infeção por alguns vírus e a exposição ambiental a determinados produtos químicos e alguns medicamentos podem desencadear a doença em indivíduos geneticamente suscetíveis.

A manifestação mais caraterística da ES é o fenómeno de Raynaud (FR), que consiste na alteração sequencial da cor dos dedos (primeiro ficam pálidos, depois azulados e por último ruborizados), habitualmente precipitada pelo frio ou stress (ver figura 1) devido a espasmo (vasoconstrição) paroxístico dos vasos sanguíneos.

A pele é atingida em quase todos os doentes, ocorrendo endurecimento e espessamento da mesma. Os dedos, mãos e face são habitualmente as primeiras zonas afetadas (ver figura 2). Outras manifestações são prurido (comichão), edema (inchaço), úlceras (feridas) nos dedos, lesões com cicatriz/crosta na polpa dos dedos, telangiectasias (pontinhos vermelhos que correspondem a vasos sanguíneos dilatados) e calcinose (nódulos duros debaixo da pele resultantes da deposição de cálcio).

Quando há envolvimento do tubo digestivo os pacientes podem queixar-se de, azia, náuseas, enfartamento, disfagia (dificuldade em engolir), engasgamento, dor abdominal, alterações do trânsito intestinal (obstipação e diarreia), incontinência fecal e raramente podem ocorrer perdas de sangue (no vómito ou nas fezes).

As manifestações podem ser várias consoante os órgãos atingidos. Outras manifestações incluem dispneia (falta de ar) com os esforços, tosse seca persistente, dores articulares e musculares, fadiga e disfunção erétil.

O diagnóstico é feito pelo médico reumatologista com base nas manifestações clínicas apresentadas pelo doente, e com o apoio de alguns exames complementares que, não só auxiliam no diagnóstico, como permitem avaliar o envolvimento de órgão. Destacam-se a pesquisa de anticorpos anti nucleares (ANAs) no sangue, capilaroscopia, provas de função respiratória e ecocardiograma. Poderá ser necessário pedir tomografia computorizada (TC) torácica de alta resolução, endoscopia digestiva alta, manometria esofágica, entre outros.

Existem essencialmente três formas de ES, com evolução distinta:

– Forma cutânea limitada: as alterações cutâneas ficam confinadas à face e extremidades e habitualmente surgem vários anos após o FR; o envolvimento visceral é mais tardio.

– Forma cutânea difusa: as lesões da pele envolvem uma maior área do corpo e surgem mais cedo após aparecimento do FR; há uma incidência maior de atingimento visceral (doença intersticial pulmonar, doença gastrointestinal).

– ES sine scleroderma: a pele não é atingida mas ocorre doença visceral.

Cerca de 95% dos doentes têm marcadores de auto-imunidade positiva (ANAs positivos). Estes apresentam relação com a forma de ES apresentada bem como com as lesões de órgão alvo.

Presentemente não há nenhum medicamento que trate todas as manifestaçõesda ES, ou seja, não existe nenhum tratamento globalmente efetivo específico para a doença. Assim, a abordagem é baseada nos sintomas e manifestações de cada doente e o tratamento é frequentemente dirigido a cada órgão envolvido. Existem ainda medidas não medicamentosas que os doentes podem adotar para complementar o seu tratamento e melhorar a sua qualidade de vida.

– Fenómeno de Raynaud e úlceras digitais: importante evitar exposição ao frio, stress, cafeína e tabaco; alguns medicamentos reduzem a frequência e severidade do FR, outros previnem as úlceras digitais enquanto outros ajudam no tratamento das úlceras ativas.

– Esclerose cutânea: são utilizados medicamentos que atuam no sistema imune e há vários estudos em curso nesta área; o exercício físico e fisioterapia são importantes para manter a flexibilidade e limitar as contraturas. Hidratação da pele  com cremes adequados e hidratação das mucosas (por exemplo lágrimas artificiais no caso de secura ocular que o justifique) são também medidas importantes, já que a secura de pele e mucosas é um sintoma proeminente em alguns doentes.

– Manifestações gastrointestinais: usam-se sobretudo agentes que reduzem a acidez gástrica), que ajudam a acelerar o trânsito intestinal, e podem ser usados antibióticos nos casos de diarreia/obstipação significativas.

– Atingimento renal: vigiar a tensão arterial (TA) é muito importante e os doentes devem adoptar um estilo de vida saudável com cuidados de alimentação que evitem o sal. Quando há lesão do rim são usados medicamentos específicos de controlo da TA.

– Envolvimento pulmonar: quando o pulmão está atingido usam-se medicamentos dirigidos ao controlo do processo, denominados imunossupressores e podem associar-se corticóides. Nos doentes que desenvolvem hipertensão pulmonar a terapêutica é individualizada à gravidade da situação e complicações associadas e deve ser instituído em centros especializados.

– Sintomas musculoesqueléticos: se existir inflamação das articulações podem usar-se agentes específicos para controlo destes sintomas em associação a analgésicos e antinflamatórios não esteróides. O exercício físico e fisioterapia podem ser benéficos.

– Outros cuidados: uso de roupa e calçado adequados são importantes são só para protecção contra o frio, mas também para proteção contra pequenos traumatismos. Nos doentes com ES a circulação periférica está comprometida e como tal, mesmo traumatismos minor podem tornar-se problemáticos por deficiente cicatrização.

Em grande parte dos casos, a ES tem uma evolução lenta e limitada e a esperança de vida dos doentes é normal. Nas formas difusas e com doença visceral progressiva há maior risco de complicações; ainda assim o prognóstico tem vindo a melhorar substancialmente ao longo dos últimos anos.

Esta doença não é contagiosa e como tal não deve limitar o contacto social.

Não existe evidência científica de que existam medidas preventivas que possam ser tomadas para impedir o aparecimento da ES, no entanto, uma vez feito o diagnóstico há tratamentos e cuidados gerais que os doentes devem cumprir para tentar limitar a progressão da doença e melhorar a sua qualidade de vida (ver secção Como se trata?).

Autores: Dr.ª Ana Agueda, Dr.ª Filipa Farinha, Dr.ª Mariana Santiago
Revisor: Dr.ª Ana Cordeiro