Artrite Idiopática Juvenil (AIJ) é uma designação que engloba um grupo de doenças que têm em comum o facto de se acompanharam de inflamação/inchaço das articulações (artrite), de terem causa desconhecida (idiopática) e de surgirem na infância ou adolescência (juvenil). As AIJs não são uma doença mas sim várias doenças, com sintomas, necessidades de acompanhamento, tratamento e prognósticos distintos.

São consideradas doenças raras na globalidade de doenças da infância. Apesar disso, as AIJs representam a principal causa de doença reumática crónica juvenil. Em termos de número, pensa-se que a cada 1000 crianças em idade escolar surja uma com AIJ ou, por outras palavras, que existam tantas crianças com AIJ como com Diabetes Mellitus Juvenil.

Não se conhece a causa da maioria das doenças designadas por AIJ, por isso se dizem  idiopáticas. Pensa-se que factores genéticos e ambientais estejam envolvidos em várias das doenças do grupo. Existem vários marcadores genéticos que aumentam o risco para algumas formas de AIJ. Mas as AIJs, como um todo, não são hereditárias e uma mãe com AIJ não não transmite necessariamente a doença aos filhos. Claro que sendo um grupo de doenças diferentes, algumas delas (as espondilartrites juvenis e a artrite psoriásica juvenil, por exemplo) têm um risco aumentado de doença nos descendentes.

Nas crianças pequenas, a detecção destes sintomas cabe obviamente aos pais e educadores. A inflamação das articulações pode ocorrer tão cedo como no primeiro ano de vida e as suas manifestações dependem das articulações envolvidas e da doença em questão. Se a inflamação for na articulação da anca, joelho ou tornozelo, os pais poderão notar dificuldades na marcha e posições de defesa cada vez que a criança é solicitada a andar, ou a presença sistemática de choro ao mudar as fraldas, nas crianças que ainda não andam. As articulações afectadas são normalmente dolorosas ao toque, podem estar inchadas e os seus movimentos estão limitados na amplitude, o que é facilmente visto se se tratar do joelho, dedos das mãos e pés ou tornozelos. Um sinal importante é a rigidez matinal – o facto da criança estar bastante pior de manhã, ao acordar, melhorando com os movimentos ao longo do dia. Outras articulações como as têmporo-mandibulares, que permitem a mastigação, são locais mais difíceis de avaliar e também podem ser atingidas. Existem outros sintomas não articulares que podem ser manifestação de AIJ, como a inflamação do olho (pode ficar vermelho, mas na maior parte das vezes há apenas redução progressiva da capacidade visual, sem outros sintomas), febre, manchas avermelhadas no corpo ou placas vermelhas e descamativas na pele e/ou couro cabeludo, aumento dos gânglios linfáticos, perda de apetite e redução da velocidade de crescimento.

Não há nenhuma análise laboratorial ou exame que confirme ou exclua AIJ. O diagnóstico é clínico, ou seja, baseado nos sintomas da criança e na observação realizada pelo reumatologista pediátrico. As análises servem para complementar a avaliação da resposta ao tratamento e avaliar possíveis efeitos adversos dos medicamentos. O diagnóstico é estabelecido após 6 ou mais semanas de doença ativa, após exclusão de outras causas de doenças que causem inchaços e inflamação das articulações ou causem febre, manchas no corpo e aumento das dimensões dos gânglios e do baço ou do fígado.

O tipo de AIJ é determinado pelo número e tipo de articulações envolvidas, pela presença de manifestações não articulares associadas (febre, manifestações na pele, órgãos internos,  olho), pela idade da criança e pelo comportamento da doença após 6 meses de duração da doença.

· AIJ Oligoarticular

Ocorre quando 4 ou menos articulações estão inflamadas nos primeiros 6 meses de doença. Na maioria são meninas de idade inferior a 6 anos. É muito frequente o inchaço dos joelhos, associado por vezes a inchaço de um dedo da mão ou do pé, tornozelo, punhos ou cotovelos. As crianças com este subtipo devem ser avaliadas de forma regular em Oftalmologia através de exame de lâmpada de fenda, uma vez que a doença se pode associar a inflamação ocular (uveíte) que habitualmente não dá quaisquer queixas. Por isso, mesmo sem qualquer queixa ocular, o rastreio oftalmológico é indispensável. Uveítes não tratadas causam sérias complicações nestas crianças, podendo levar à cegueira por glaucoma, catarata e queratite em banda.

· AIJ Poliarticular

Neste subtipo há envolvimento de 5 ou mais articulações nos primeiros 6 meses de doença . As formas com  a análise do factor reumatóide presente no soro, habitualmente ocorrem em adolescentes do sexo feminino com doença articular importante, agressiva e com risco de destruir muitas articulações se não tratada. Surge dor e inchaço em múltiplas articulações, de um modo simétrico, e os doentes podem continuar a ter queixas na idade adulta. A doença não associada a factor reumatóide atinge sobretudo meninas ou meninos mais pequenos e afecta articulações como a anca, joelhos, tornozelos e punhos.

· AIJ Sistémica

Ocorre em qualquer idade, atingindo com igual frequência os dois sexos. A queixa principal é a febre (sempre presente, por definição), associada a manchas na pele cor de salmão (rosa pálido), que podem estar presentes no abdómen e membros, dores musculares, fadiga, perda de peso, aumento do volume de fígado e baço, numa criança com ar doente. As análises de sangue mostram uma marcada inflamação. As queixas articulares podem ocorrer meses depois do início da febre, mas o diagnóstico de certeza só é possível quando estas surgem.

· Artrite Psoriásica

Ocorre em crianças de qualquer idade com Psoríase na pele (placas vermelhas, descamativas, que surgem nos cotovelos, joelhos, nádegas, couro cabeludo) ou que tenham familiar de primeiro grau com Psoríase. As articulações afectadas variam. Em alguns casos pode surgir dor lombar, dedos em salsicha, ponteado ou alterações devidas à psoríase nas unhas das mãos e pés. De  salientar que a psoríase pode surgir apenas depois das queixas articulares em cerca de 60% dos casos (de alguns anos a algumas décadas depois).

· Espondilartrites Juvenis/ AIJ relacionada com entesite

Entesite refere-se à inflamação nos locais de inserção dos tendões no osso (por exemplo, inserção do tendão de Aquiles no calcanhar). Estas crianças podem ter dor nestas localizações, dor no calcanhar, inchaço nas articulações dos membros inferiores (joelhos, tornozelos), alterações cutâneas e uveíte anterior aguda – inflamação ocular muito intensa, com olho vermelho e dor ocular intensa. Os rapazes adolescentes com esta patologia, podem ter dor, rigidez e diminuição da mobilidade da coluna lombar.

·  AIJ associada a Doença Inflamatória Intestinal

Esta patologia faz parte de um subtipo da anterior. Pode surgir com as mesmas queixas de dor lombar e inchaços nas articulações dos membros inferiores. Alguns doentes têm quadro de perda de peso e diarreia crónica (por vezes com sangue) algum tempo antes das queixas articulares mas por vezes as manifestações intestinais surgem só após as queixas articulares.

Não. A única forma que é idêntica na evolução, no tratamento e no prognóstico à Artrite Reumatóide do adulto é a AIJ poliarticular com factores reumatóides positivos.

Nas análises interessa avaliar o hemograma, função renal, hepática e parâmetros de inflamação (velocidade de sedimentação e proteína C reactiva) que servem para avaliar o estado inflamatório, controlar a resposta à terapêutica e avaliar possíveis efeitos adversos associados aos medicamentos utilizados. O pedido de factores reumatóides e anticorpos antinucleares são importantes para classificar 2 formas de AIJ e estratificar o prognóstico. As radiografias simples e/ou a ecografia articular são importantes para avaliar a gravidade da inflamação articular e o possível dano nas articulações causadas por ela causado.

Hoje em dia existem vários fármacos muito eficazes para tratar as AIJs. O tratamento varia consoante a forma de AIJ.

Os casos de AIJ oligoarticular podem ser tratados eficazmente apenas com anti-Inflamatórios (ibuprofeno, meloxicam, diclofenac, naproxeno..) e/ou injeções nas articulações.

Se a doença persistir são iniciados fármacos modificadores de doença (DMARDs), sendo habitualmente escolhido o Metotrexato em primeiro lugar e que é eficaz na maioria dos casos.

Os casos de AIJ poliarticular com factores reumatóides, mais graves em termos articulares, necessitam de DMARDs (metotrexato preferencialmente), algumas vezes em associação. Se não resultar, é instituída terapêutica com agente biotecnológico, normalmente Etanercept, Adalimumab, (agentes anti-TNF administrados através de injeções subcutâneas) ou tocilizumab (anti-interleucina 6) que são muito eficazes nestas doenças.

Nas formas de AIJ Sistémica podem ser necessários corticóides na fase inicial e posteriormente DMARDs (metotrexato ou ciclosporina) e, se persistência de queixas, instituição de terapêutica biotecnológica com anakinra ou canacinumab (anti-interleucina 1) ou tocilizumab (anti-interleucina 6). Em crianças que estejam totalmente bem e sem inflamação por 2 anos, é possível iniciar a diminuição progressiva da medicação e, em alguns casos, suspender da medicação. Cerca de metade dos doentes, mantêm doença ativa na idade adulta.

O objectivo primário do tratamento é restaurar a função normal da criança e evitar as lesões articulares e as deformações que podem ser causadas pela inflamação. Na idade pediátrica é fundamental evitar as lesões atuais ou futuras, permitindo o crescimento harmonioso da criança. Algumas complicações possíveis são deformações articulares, o deficiente crescimento da mandíbula (micrognatismo), dificuldades de mastigação (se a articulação têmporomandibular for atingida), baixo peso e baixa estatura, atrofia muscular, osteoporose.

A inflamação ocular não tratada adequadamente pode dar importante perda de visão, glaucoma e cataratas, que podem causar cegueira.

As AIJs não têm prevenção primária conhecida.

É fundamental a atenção dos pais e educadores para os sintomas de alerta que possam sugerir um quadro de AIJ. Não se podendo prevenir, sabemos que uma rápida referenciação e avaliação pelo Reumatologista Pediátrico leva a um diagnóstico atempado e a uma rápida instituição do tratamento mais eficaz, o que contribui decisivamente para a prevenção secundária das lesões articulares e para a preservação da qualidade de vida dos doentes afectados.

Autores: Susana Fernandes, Inês Seixas

Revisores: José António Melo Gomes, Filipa Oliveira Ramos